*Alexandre
Sales
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Muitos são os que depreciam
os conteúdos postados neste blog. Não vejo nada de mais nisso,
afinal (ainda) vivemos num país democrático e, além disso, eu
também não morro de amores nem tenho simpatia com os ideais dessas
pessoas. Quero, no entanto, abordar outro assunto difundido nas
Universidades, em que docentes de diversas disciplinas dão pitacos
em assuntos que não são da alçada deles, disseminado com isso o
desconhecimento.
É por isso que em pleno
Século XXI percebe-se um montante inconcebível de pessoas
demonstrando total ignorância sobre quem foi, como viveu e,
principalmente, qual a causa do obituário de Galileu, o falso mártir
da ciência que morreu tranquilamente em sua cama. Essa ignorância
se dá mediante a divulgação de estórias tão supersticiosas como
lendárias de pessoas que, como afirmei anteriormente, não são
historiadoras de profissão, mas que, ostentando um conhecimento
inexistente do assunto, ajudam na propagação do preconceito e da
ignorância.
Uma importante observação a
ser feita é que muitas das descobertas científicas de Galileu se
deveram ao trabalho do Cônego Nicolau Copérnico, religioso polonês,
autor de Seis
Livros Sobre as Revoluções das Órbitas Celestes (De Revolutionibus
Orbium Caelestium), obra
que não havia encontrado resistência dos religiosos, inclusive
sendo aceito pelo Papa Paulo III.
Galileu, que
tinha aderido ao sistema ptolomaico, admitiu as idéias de Copérnico
a partir de 1610, baseadas em observações astronômicas recém
realizadas. Aliás, o polemista Voltaire vai se utilizar justamente
desse religioso para advogar em favor da sua filosofia tão criticada
pelos prelados durante o Iluminismo: “se
perguntásseis a todos os homens antes de Copérnico: ‘ – O sol
se levantou hoje? O sol se pôs?’ ‘ – temos absoluta certeza.’
responder-vos-iam a uma voz. Tinham certeza e, no entanto, estavam
errados.” (1)
É preciso considerar também
que historiadores não gostam da Igreja. Poucos são os historiadores
brasileiros que se interessam pelo medievo e o levam a sério; a
maioria deles ocupa grande parte de seu tempo na narrativa
historiográfica da luta de classes; logo, a explicação do caráter
supersticioso e místico que eles dão à Idade Média se sustenta
através da imaginação de “estoriadores” retrógrados e
tendenciosos, cujo material de consulta às suas análises serão os
romances de Umberto Eco e o misticismo das “Brumas de Avalon”.
Como argumento comprobatório,
observa-se o fato de que essas pessoas acreditam piamente que Galileu
teria sido queimado nos Tribunais da Inquisição. Nada mais falso!
Outro fato igualmente estarrecedor é que essas pessoas são
incapazes de diferenciar Idade Média com Idade Moderna, época em
que Galileu realmente viveu (* 1564 + 1642). Claro que essa indução
é propositada, no intuito de ludibriar as mentes insipientes no
convencimento de que a Idade Média foi mesmo um período de
superstição e ignorância, o que é falso, obviamente.
Na verdade Galileu morreu de
causas naturais e foi condenado pela Inquisição porque se recusava
a tratar como hipótese descobertas que ele insistia serem verdades
absolutas, mesmo sem ter como prová-las. Além disso, induziu
pessoas à crença de uma teoria não provada cientificamente, ao
falsificar o imprimatur eclesiástico em sua obra Diálogo Dei
Due Massimi Sistemi.(2).
Se fosse nos dias de hoje ele seria preso por falsidade ideológica e
engraçado que até hoje a Comunidade Científica exige que seus
cientistas provem as hipóteses ou teses, mas aos medievais isso é
inconcebível, sob pena de intolerância. Fica claro que nós estamos
lidando com pessoas desonestas...
Já a condenação, dita tão
cruel e implacável pelos arautos da ciência, foi a abjuração
pública até que suas teorias fossem provadas e a prisão branda,
que consistia em detenção nos palácios e castelos dos nobres e
embaixadores. Uma nota: a Igreja não o impediu de continuar seus
estudos, o que foi feito até a sua morte em 8 de janeiro de 1642,
recebendo em seu leito de morte, inclusive, a benção do Sumo
Pontífice. (3).
Outro exemplo clássico do
descaso dessas pessoas com a Igreja – e que inspirou o tema desse
artigo - pode ser analisado na afirmação de Irving Copi: ”Um
dos escolásticos a quem Galileu ofereceu seu telescópio para que
contemplasse as luas de júpiter, recém descobertas, negou-se a
fazê-lo, convencido de que nada poderia ser visto, porque nenhuma
menção era feita a essas luas, no tratado sobre a astronomia de
Aristóteles.” (4).
A afirmação é
compreensível, haja vista que o autor dela não é historiador de
profissão. Ademais, observa-se a seguinte narrativa:
“Galileu convenceu
cabalmente da veracidade de suas descobertas todos os sábios de
Roma. E, se estivéssemos ainda nos tempos da antiga República
Romana, não há dúvida de que, em homenagem às suas obras, lhe
mandariam erguer uma estátua no Capitólio” (5).
Não é preciso raciocinar
muito e perceber que para esse convencimento ocorrer, seria preciso
que alguém observasse as descobertas. Mas... Qual seria o nome do
escolástico, que segundo, Irving Copi, teria se recusado a
contemplar a descoberta de Galileu? Os autores da acusação não
mencionam, e isso é compreensível, pois a acusação não procede.
Para não cair no mesmo erro
dos disseminadores de engodos, pretendo aqui dar “nome aos bois”,
ou seja, vamos analisar as premissas por partes e constatar que a
afirmação é falaciosa. O engodo se sustenta em duas premissas
básicas, a saber:
1 . A de que um escolástico -
de nome desconhecido - teria se negado a contemplar as luas de
júpiter, descobertas por Galileu;
2 . A de que a negação se
deu porque os tratados de Aristóteles não mencionavam essas luas;
A primeira premissa é
refutada pelos historiadores T. Woods Jr e Joseph E. Mac Donnell.
Eles afirmam que o padre Cristoph Grienberger (1531 - 1636) não só
comprovou pessoalmente a descoberta das luas de júpiter por Galileu,
como também era um competente astrônomo, inventor da montagem
equatorial, que fazia girar um telescópio sobre um eixo paralelo ao
da Terra e contribuidor do desenvolvimento do telescópio de refração
que se utiliza ainda hoje em dia. (6)
A outra premissa é desmentida
porque, já havia certas refutações e restrições aos tratados de
Aristóteles. A primeira prova é que todo católico instruído nega
a idéia aristotélica de que o universo é eterno em si mesmo, pois
ia de encontro à narrativa da Criação Divina; além disso, o
eclesiástico Jean Buridan (1295 – 1358) sacerdote e professor de
Souborne (Séc XIV), já naquela época buscava uma explicação
sobre como os corpos celestes, depois de criados, continuavam em
movimento. Esses estudos contrariavam as teorias de Aristóteles,
cuja explicação acerca dos movimentos apontava o centro da Terra
como local de repouso dos objetos ao mesmo tempo em que se ignorava
uma explicação convincente para os movimentos dos projéteis.(7)
Além disso, a Igreja há anos
se debruçava nas pesquisas da Astronomia, e os tratados de
Aristóteles já não desfrutavam de tanta credibilidade nessa área.
Tanto é verdade que o V Concílio de Latrão (1512-1517) tratou
justamente da reforma do calendário e, entre os cientistas de renome
nos meios eclesiásticos participantes do Concílio, ressalta-se a
presença do Cônego Nicolau Copérnico.
Por conta disso, Langford
afirma que
“não é correto pintar Galileu como uma vítima inocente do
preconceito e da ignorância”.
Acrescenta ainda que “parte
da culpa dos acontecimentos subseqüentes deve ser atribuída ao
próprio Galileu, que recusou qualquer ressalva e, sem provas
suficientes, fez derivar o debate para o terreno próprio dos
teólogos”(8).
E os protestantes, tão
acusadores da Igreja Romana nessa questão, não podem esconder o
óbvio. O que quero dizer é que não só Galileu, mas outros
astrônomos enfrentaram problemas com a teologia protestante.
Desconsiderando as idéias de Copérnico, Lutero chegou a afirmar:
“As escrituras nos dizem que o sol parou. Copérnico é um louco.”
(9). Já
Melancton, companheiro de Lutero, classificou tal sistema de
fantasmagoria. Kepler (1581 – 1630), astrônomo protestante
contemporâneo de Galileu foi obrigado a deixar sua terra por assumir
idéias copernicianas. Esses são apenas alguns exemplos de inúmeros
casos de atrito entre os cientistas e o protestantismo, uma vez que
foi custoso para eles entender que a bíblia não ensina cosmologia.
Por conseguinte, quem repete velhos e falsos chavões de que a Igreja
Católica impedia o progresso com seus “dogmas retrógrados” e
que teria vitimado Galileu a fogueira da Inquisição, terá que
sustentar o que diz e desmentir historiadores sérios e competentes,
o que vejo como inviável.
A conclusão que se pode
chegar é que se as premissas são falsas, a afirmação não pode
ser verdade. Então, quando se dá esse tipo de declaração, eles
estão falando do quê? Eles estão falando do nada, ou seja, de uma
afirmação que historicamente nunca existiu, e que só se torna real
no imaginário desses retrógrados contadores de estórias,
mergulhadas nas ficções medievais relatadas nos romances de Umberto
Eco em “O Nome da Rosa”, nas Lendas do Rei Arthur e de Camelot,
ou dos misticismos das Brumas de Avalon.
Tenho consciência de que as
comprovações aqui postadas não vão convencer aos acusadores da
Igreja, e nem me preocupo com isso. Importante de verdade é narrar
um acontecimento histórico com mais consistência e com um
emaranhado de argumentos que dê condições ao leitor de raciocinar
e constatar pelo seu próprio intelecto que as acusações de
historiadores arcaicos só têm fundamento na imaginação deles, ao
mesmo tempo em que a concepção historiográfica narrada acima e
sustentada por historiadores renomados internacionalmente é
perfeitamente sustentável, logo, aceitável. Quanto aos contadores
de “estórias” e depreciadores da Igreja, os ignoro. Um dia eles
tentaram me persuadir de que havia lutas de classes no Egito antigo
e na Mesopotâmia, mesmo sem haver moeda fixa nessas sociedades nem
acúmulo de capital, conseqüentemente o capitalismo inexistia.
Também ostentaram que existia feudalismo no Brasil, mas eu me
esquivei desses adestramentos. Boa Noite...
3º
Período de História
PALAVRAS
CHAVES: CIÊNCIA - COPÉRNICO – GALILEU – INQUISIÇÃO –
JÚPITER - LUAS
BIBLIOGRAFIA
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1 .
VOLTAIRE, M. ; Dicionário Filosófico; Ed. Ridiendo Castigat Moraes,
{s.d.; s.l.], pp.7-8;
2
.FAVARO, Galilei I´Inquisizione 62;
3
.Ibdem;
4
.COPI, Irving M.; Introdução à Lógica;
5 .
FAVARO, Le Opere di Galilei, XI 119, s.l; s;d;
6 .
T. Woods, Como a Igreja Católica Construiu a Civilização
Ocidental; 3ª Ed.; Quadrante; SP; 2010. p.65 DONNELL, Joseph E;
Jesuit Geometers, p.19.
7 .
T. Woods, Como a Igreja Católica Construiu a Civilização
Ocidental; 3ª Ed.; Quadrante; SP; 2010, pp.78 -79.
8
. LANGFORD, J. Jerome, Galileo, Science and the Church, pp. 68-69
9
. WA 42, 708
Um comentário:
SENSACIONAL! Ótimo post, apesar de extenso! Conteúdo nota 1000/1
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