terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

As luas de Júpiter




*Alexandre Sales
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Muitos são os que depreciam os conteúdos postados neste blog. Não vejo nada de mais nisso, afinal (ainda) vivemos num país democrático e, além disso, eu também não morro de amores nem tenho simpatia com os ideais dessas pessoas. Quero, no entanto, abordar outro assunto difundido nas Universidades, em que docentes de diversas disciplinas dão pitacos em assuntos que não são da alçada deles, disseminado com isso o desconhecimento.
É por isso que em pleno Século XXI percebe-se um montante inconcebível de pessoas demonstrando total ignorância sobre quem foi, como viveu e, principalmente, qual a causa do obituário de Galileu, o falso mártir da ciência que morreu tranquilamente em sua cama. Essa ignorância se dá mediante a divulgação de estórias tão supersticiosas como lendárias de pessoas que, como afirmei anteriormente, não são historiadoras de profissão, mas que, ostentando um conhecimento inexistente do assunto, ajudam na propagação do preconceito e da ignorância.
Uma importante observação a ser feita é que muitas das descobertas científicas de Galileu se deveram ao trabalho do Cônego Nicolau Copérnico, religioso polonês, autor de Seis Livros Sobre as Revoluções das Órbitas Celestes (De Revolutionibus Orbium Caelestium), obra que não havia encontrado resistência dos religiosos, inclusive sendo aceito pelo Papa Paulo III. Galileu, que tinha aderido ao sistema ptolomaico, admitiu as idéias de Copérnico a partir de 1610, baseadas em observações astronômicas recém realizadas. Aliás, o polemista Voltaire vai se utilizar justamente desse religioso para advogar em favor da sua filosofia tão criticada pelos prelados durante o Iluminismo: “se perguntásseis a todos os homens antes de Copérnico: ‘ – O sol se levantou hoje? O sol se pôs?’ ‘ – temos absoluta certeza.’ responder-vos-iam a uma voz. Tinham certeza e, no entanto, estavam errados.” (1)
É preciso considerar também que historiadores não gostam da Igreja. Poucos são os historiadores brasileiros que se interessam pelo medievo e o levam a sério; a maioria deles ocupa grande parte de seu tempo na narrativa historiográfica da luta de classes; logo, a explicação do caráter supersticioso e místico que eles dão à Idade Média se sustenta através da imaginação de “estoriadores” retrógrados e tendenciosos, cujo material de consulta às suas análises serão os romances de Umberto Eco e o misticismo das “Brumas de Avalon”.
Como argumento comprobatório, observa-se o fato de que essas pessoas acreditam piamente que Galileu teria sido queimado nos Tribunais da Inquisição. Nada mais falso! Outro fato igualmente estarrecedor é que essas pessoas são incapazes de diferenciar Idade Média com Idade Moderna, época em que Galileu realmente viveu (* 1564 + 1642). Claro que essa indução é propositada, no intuito de ludibriar as mentes insipientes no convencimento de que a Idade Média foi mesmo um período de superstição e ignorância, o que é falso, obviamente.
Na verdade Galileu morreu de causas naturais e foi condenado pela Inquisição porque se recusava a tratar como hipótese descobertas que ele insistia serem verdades absolutas, mesmo sem ter como prová-las. Além disso, induziu pessoas à crença de uma teoria não provada cientificamente, ao falsificar o imprimatur eclesiástico em sua obra Diálogo Dei Due Massimi Sistemi.(2). Se fosse nos dias de hoje ele seria preso por falsidade ideológica e engraçado que até hoje a Comunidade Científica exige que seus cientistas provem as hipóteses ou teses, mas aos medievais isso é inconcebível, sob pena de intolerância. Fica claro que nós estamos lidando com pessoas desonestas...
Já a condenação, dita tão cruel e implacável pelos arautos da ciência, foi a abjuração pública até que suas teorias fossem provadas e a prisão branda, que consistia em detenção nos palácios e castelos dos nobres e embaixadores. Uma nota: a Igreja não o impediu de continuar seus estudos, o que foi feito até a sua morte em 8 de janeiro de 1642, recebendo em seu leito de morte, inclusive, a benção do Sumo Pontífice. (3).
Outro exemplo clássico do descaso dessas pessoas com a Igreja – e que inspirou o tema desse artigo - pode ser analisado na afirmação de Irving Copi: ”Um dos escolásticos a quem Galileu ofereceu seu telescópio para que contemplasse as luas de júpiter, recém descobertas, negou-se a fazê-lo, convencido de que nada poderia ser visto, porque nenhuma menção era feita a essas luas, no tratado sobre a astronomia de Aristóteles.” (4).
A afirmação é compreensível, haja vista que o autor dela não é historiador de profissão. Ademais, observa-se a seguinte narrativa:
Galileu convenceu cabalmente da veracidade de suas descobertas todos os sábios de Roma. E, se estivéssemos ainda nos tempos da antiga República Romana, não há dúvida de que, em homenagem às suas obras, lhe mandariam erguer uma estátua no Capitólio” (5).
Não é preciso raciocinar muito e perceber que para esse convencimento ocorrer, seria preciso que alguém observasse as descobertas. Mas... Qual seria o nome do escolástico, que segundo, Irving Copi, teria se recusado a contemplar a descoberta de Galileu? Os autores da acusação não mencionam, e isso é compreensível, pois a acusação não procede.
Para não cair no mesmo erro dos disseminadores de engodos, pretendo aqui dar “nome aos bois”, ou seja, vamos analisar as premissas por partes e constatar que a afirmação é falaciosa. O engodo se sustenta em duas premissas básicas, a saber:
1 . A de que um escolástico - de nome desconhecido - teria se negado a contemplar as luas de júpiter, descobertas por Galileu;
2 . A de que a negação se deu porque os tratados de Aristóteles não mencionavam essas luas;
A primeira premissa é refutada pelos historiadores T. Woods Jr e Joseph E. Mac Donnell. Eles afirmam que o padre Cristoph Grienberger (1531 - 1636) não só comprovou pessoalmente a descoberta das luas de júpiter por Galileu, como também era um competente astrônomo, inventor da montagem equatorial, que fazia girar um telescópio sobre um eixo paralelo ao da Terra e contribuidor do desenvolvimento do telescópio de refração que se utiliza ainda hoje em dia. (6)
A outra premissa é desmentida porque, já havia certas refutações e restrições aos tratados de Aristóteles. A primeira prova é que todo católico instruído nega a idéia aristotélica de que o universo é eterno em si mesmo, pois ia de encontro à narrativa da Criação Divina; além disso, o eclesiástico Jean Buridan (1295 – 1358) sacerdote e professor de Souborne (Séc XIV), já naquela época buscava uma explicação sobre como os corpos celestes, depois de criados, continuavam em movimento. Esses estudos contrariavam as teorias de Aristóteles, cuja explicação acerca dos movimentos apontava o centro da Terra como local de repouso dos objetos ao mesmo tempo em que se ignorava uma explicação convincente para os movimentos dos projéteis.(7)
Além disso, a Igreja há anos se debruçava nas pesquisas da Astronomia, e os tratados de Aristóteles já não desfrutavam de tanta credibilidade nessa área. Tanto é verdade que o V Concílio de Latrão (1512-1517) tratou justamente da reforma do calendário e, entre os cientistas de renome nos meios eclesiásticos participantes do Concílio, ressalta-se a presença do Cônego Nicolau Copérnico.
Por conta disso, Langford afirma que “não é correto pintar Galileu como uma vítima inocente do preconceito e da ignorância”. Acrescenta ainda que “parte da culpa dos acontecimentos subseqüentes deve ser atribuída ao próprio Galileu, que recusou qualquer ressalva e, sem provas suficientes, fez derivar o debate para o terreno próprio dos teólogos”(8).
E os protestantes, tão acusadores da Igreja Romana nessa questão, não podem esconder o óbvio. O que quero dizer é que não só Galileu, mas outros astrônomos enfrentaram problemas com a teologia protestante. Desconsiderando as idéias de Copérnico, Lutero chegou a afirmar: “As escrituras nos dizem que o sol parou. Copérnico é um louco.” (9). Já Melancton, companheiro de Lutero, classificou tal sistema de fantasmagoria. Kepler (1581 – 1630), astrônomo protestante contemporâneo de Galileu foi obrigado a deixar sua terra por assumir idéias copernicianas. Esses são apenas alguns exemplos de inúmeros casos de atrito entre os cientistas e o protestantismo, uma vez que foi custoso para eles entender que a bíblia não ensina cosmologia. Por conseguinte, quem repete velhos e falsos chavões de que a Igreja Católica impedia o progresso com seus “dogmas retrógrados” e que teria vitimado Galileu a fogueira da Inquisição, terá que sustentar o que diz e desmentir historiadores sérios e competentes, o que vejo como inviável.
A conclusão que se pode chegar é que se as premissas são falsas, a afirmação não pode ser verdade. Então, quando se dá esse tipo de declaração, eles estão falando do quê? Eles estão falando do nada, ou seja, de uma afirmação que historicamente nunca existiu, e que só se torna real no imaginário desses retrógrados contadores de estórias, mergulhadas nas ficções medievais relatadas nos romances de Umberto Eco em “O Nome da Rosa”, nas Lendas do Rei Arthur e de Camelot, ou dos misticismos das Brumas de Avalon.
Tenho consciência de que as comprovações aqui postadas não vão convencer aos acusadores da Igreja, e nem me preocupo com isso. Importante de verdade é narrar um acontecimento histórico com mais consistência e com um emaranhado de argumentos que dê condições ao leitor de raciocinar e constatar pelo seu próprio intelecto que as acusações de historiadores arcaicos só têm fundamento na imaginação deles, ao mesmo tempo em que a concepção historiográfica narrada acima e sustentada por historiadores renomados internacionalmente é perfeitamente sustentável, logo, aceitável. Quanto aos contadores de “estórias” e depreciadores da Igreja, os ignoro. Um dia eles tentaram me persuadir de que havia lutas de classes no Egito antigo e na Mesopotâmia, mesmo sem haver moeda fixa nessas sociedades nem acúmulo de capital, conseqüentemente o capitalismo inexistia. Também ostentaram que existia feudalismo no Brasil, mas eu me esquivei desses adestramentos. Boa Noite...
3º Período de História

PALAVRAS CHAVES: CIÊNCIA - COPÉRNICO – GALILEU – INQUISIÇÃO – JÚPITER - LUAS
BIBLIOGRAFIA
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1 . VOLTAIRE, M. ; Dicionário Filosófico; Ed. Ridiendo Castigat Moraes, {s.d.; s.l.], pp.7-8;
2 .FAVARO, Galilei I´Inquisizione 62;
3 .Ibdem;
4 .COPI, Irving M.; Introdução à Lógica;
5 . FAVARO, Le Opere di Galilei, XI 119, s.l; s;d;
6 . T. Woods, Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental; 3ª Ed.; Quadrante; SP; 2010. p.65 DONNELL, Joseph E; Jesuit Geometers, p.19.
7 . T. Woods, Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental; 3ª Ed.; Quadrante; SP; 2010, pp.78 -79.
8 . LANGFORD, J. Jerome, Galileo, Science and the Church, pp. 68-69
9 . WA 42, 708

Um comentário:

Renan Massoto disse...

SENSACIONAL! Ótimo post, apesar de extenso! Conteúdo nota 1000/1